(contém spoilers de Mulher-Maravilha, Jogos Vorazes, Os Oito Odiados e Dogville)
Ai ai, que filmão da poha Brasil! Saí do cinema extasiada!
Assino embaixo de praticamente tudo o que já se falou sobre o filme, inclusive a crítica bem completa já feita aqui no blog. Mas pensei em abordar nesse texto algumas partes da história que me tocaram, talvez por eu nunca ter lido as HQs da Mulher-maravilha e, por isso, tudo no filme ter sido novidade pra mim. Então do ponto de vista de uma total ignorante dos quadrinhos, mas grande apreciadora de filmes de herói, posso dizer que a história me cativou por completo e me tocou principalmente no ponto-chave: ter fé, ou desistir da humanidade.
Coincidentemente esse é um assunto que debato constantemente com minha família e meus grupos de amigos. Me pego discutindo sobre isso especialmente com pessoas religiosas que acreditam que Deus tem um propósito com a criação da humanidade, o amor, e que mesmo com todo o mal que existe no mundo devemos continuar tendo fé no ser humano. Já eu, agnóstica e pessimista por natureza, tenho uma tendência grande a desacreditar do futuro da humanidade, pedir a vinda do meteoro, e até evitar filhos por não querer colocar uma criança num mundo cruel como o nosso. Filmes como “Dogville”, “Manderlay” e “Os oito odiados” refletem exatamente como eu me coloco em relação a humanidade: cheguei em missão de paz, abri meu coração, observei a realidade, fiquei decepcionada, achei tudo uma merda completa e finalmente desprezei o ser humano totalmente. Triste, não? Por isso, histórias que optam por ter esperança no ser humano e me mostram as razões pelas quais optaram assim, me envolvem de uma maneira especial, mesmo que não me convençam.
Filmes como “O dia em que a Terra parou” e “Interestelar”, a série “Fringe”, e uma infinidade de outras produções tem uma mensagem bem parecida com a de Mulher-maravilha ou até mesmo idêntica: a humanidade vale a pena e o amor é a saída para todo o caos. Mesmo com toda a desordem, violência, guerras, injustiça, devemos acreditar que a empatia e o amor ao próximo daqueles que não se converteram à barbárie fazem a humanidade ter sim um saldo positivo no final das contas.
Mulher-maravilha vai além e relativiza inclusive a punição aos bárbaros, como na cena em que ela poupa a vilã psicopata da morte. Ali ficou clara a reflexão “Se matarmos todos os assassinos ficaremos livres dos assassinos? Não, teremos na verdade o dobro de assassinos”. Ou ainda “Se eu matar um assassino como punição aos seus crimes, em que eu me diferencio dele?”. Essa última frase foi repetida a exaustão na série The Walking Dead que, entre um zumbi e outro, faz reflexões constantes sobre o nível de selvageria a que o ser humano é capaz de chegar. Imagino que foi esse tipo de reflexão que tenha acontecido no momento em que Diana de Themyscira poupa a química maléfica da morte. Pra mim essa foi uma das cenas mais importantes do filme e definiu bem o “turning point” da heroína, o momento em que ela se dá conta que está tomada pela raiva e nesse momento se igualou aos soldados raivosos que ela passou o filme inteiro combatendo. Aí ela se lembra também do amor e do sacrifício que o Trevor foi capaz de fazer para salvar milhões e então se decide por ficar ao lado da humanidade, opta pela fé e pela esperança no ser humano.
Essa cena me fez lembrar também vários outros momentos em que vilões foram retratados como fragilizados em determinado momento e acabaram sendo poupados da morte pelos mocinhos. Vários flashes passaram na minha cabeça de outras produções em que tivemos cenas parecidas, como por exemplo:
O encapetado Gollum se faz de coitado, chora, arregala os olhos, implora pela vida e consegue se livrar de várias punições ao longo da história do Senhor dos Anéis, só pra logo depois continuar atazanando a vida do pessoal.
Na série Breaking bad, o Walter White foi o rei de cenas como essa. Uma muito icônica foi no deserto, quando Gus Fringe o demite e ameaça matá-lo, mas ele faz carinha de coitado e tem sempre uma chantagem na manga pra escapar da morte.
Também no filme Jogos Vorazes, o capeta do Presidente Snow, preso, tossindo e fragilizado, tenta convencer a Katniss que a presidente Alma Coin é mais capeta ainda do que ele, e com isso consegue se livrar da morte.
Percebam como até as fotografias dessas cenas são parecidas, com o vilão sendo filmado de cima pra baixo, normalmente sentado ou no chão, em posição mais baixa que o protagonista que está em primeiro plano, em pé. Essa construção de cena evidencia o poder de decisão que está na mão do protagonista sobre perdoar ou não o vilão endemoniado.
Em todos esses momentos não é bem verdade que o vilão seja perdoado por suas atrocidades. Não acho que o perdão seja a mensagem, mas sim a percepção de que existe um mal maior a ser combatido naquele momento, ou que aquela pessoa é apenas uma das muitas representantes da maldade em nossa sociedade. Maldade essa que se não for bem controlada pode aflorar em qualquer um de nós. Então os pecados do vilão são deixados momentaneamente de lado, pois o protagonista teve uma reflexão de que matar aquela pessoa não seria a solução para resolver o mal do mundo.
Já em Dogville a protagonista não chega a essa mesma conclusão. Para ela, matar todos os personagens que a fizeram mal seria sim a melhor solução. Não sobra nenhuma fé na humanidade nem nada em que acreditar ou depositar suas esperanças. Ela então autoriza que o pai realize o massacre da cidade inteira. Chocante!
No filme “Os Oito Odiados”, Tarantino também nos apresenta essa mesma mensagem. Ninguém presta. Pode morrer todo mundo que ninguém ali merece a nossa piedade. Ele trabalha bem a maldade de cada personagem pra que em cada morte a audiência não tenha a mínima pena de quem está morrendo. Quando o filme acaba a sensação que fica é de total desesperança no ser humano.
É deste filme também o maravilhoso diálogo em que o carrasco dos enforcamentos explica porque é justo que ele enforque os condenados e não as pessoas que de fato desejam se vingar destes. “A justiça executada com paixão corre sempre o risco de não ser justiça”. Ou seja, ele, o carrasco, por não ter envolvimento nenhum com a história do acusado, pode executá-lo sem “paixão”, sem “ódio no coração”, e por isso a punição seria justa. Ele está apenas cumprindo ordens de um tribunal que, teoricamente, analisou fatos racionalmente e chegou à conclusão de que aquele réu era culpado. Já se quem enforcasse o culpado fosse por exemplo uma pessoa que quisesse vingar a morte de um parente, matando então esse acusado, isso não seria justo e sim uma volta à barbárie. Esse filme pra mim valeu por esse diálogo, apesar de eu não concordar em nada com a pena de morte; a reflexão sobre “a justiça não ser válida quando há paixão” é uma reflexão muito importante.
O engraçado é notar que, em Django, Tarantino traça quase o mesmo caminho, mas opta pela redenção através do amor no final. QUASE ninguém presta e todos os injustiçados põem em prática seus planos de vingança, mas o filme termina com o amor do casal principal passando por cima de toda a violência que sofreram e com a sensação que a vida pela frente pode ser feliz apesar de tudo.
E como esquecer da série X-Men, em que o Magneto e Professor Xavier fazem os mesmos questionamentos da Mulher-maravilha. A humanidade quer destruir os mutantes. Esses devem então decidir se juntar aos mutantes malvados e ajudar a destruir a humanidade ou se juntar aos mutantes bonzinhos que querem viver em harmonia com os humanos normais. Que dúvida, hein?
E você? A quantas anda a sua fé na humanidade? Está mais pra Dogville ou mais pra Mulher-Maravilha? Conta pra gente!