Sou feia, mas tô na moda

Uma vez, quando criança, ganhei uma fita cassete (sim, faz tempo) chamada Rap Brasil 2. Adorei e me lembro de ficar intrigada com o universo cantado pelos MCs nos Raps do Silva, da Estrada da posse, da Cidade de Deus… Parecia uma realidade tão distante da minha e, ao mesmo tempo, acontecia do meu lado!

O Rio é das poucas cidades onde a pobreza e a riqueza extremas dividem o mesmo espaço geográfico: Rocinha e São Conrado, Cantagalo e Copacabana e por aí vai. Mesmo assim, parece existir uma separação invisível e universos que não dialogam entre si.

Cresci no Andaraí (bairro que abriga a favela citada no clássico Nosso sonho) mas morava no “asfalto”. Meus amigos e eu nunca andávamos até o fim da nossa rua, porque ali começava a comunidade e éramos ensinados a evitar a área. Sempre tive curiosidade em saber como funcionavam as coisas por lá e, talvez por isso, o funk tenha me fisgado.

Mesmo com a resistência de boa parte da elite, o ritmo acabou ganhando o Brasil e o mundo. “É som de preto, de favelado, mas quando toca ninguém fica parado”, já resumiram Amilcka e Chocolate. Os ricos dançam até o chão, mas pergunte se eles gostam e a resposta será um desdenhoso não.

E onde entra o título do post, Sou feia, mas tô na moda? Esse documentário foi lançado em 2005, quando o funk invadiu as festas mais descoladas do país e da Europa e ficou impossível ignorá-lo. A partir de depoimentos de MCs e moradores da Cidade de Deus, podemos entender a história do estilo musical e, principalmente, a importância cultural do movimento.

A vida na favela é cantada por quem e para quem vive ali, e quando a voz dos historicamente oprimidos começa a se fazer ouvir, incomoda. Aí vêm toda a sorte de argumentos desmerecedores… “É uma apologia ao crime!” Já parou pra prestar atenção nas letras dos raps americanos que você escuta? “Só falam baixaria!” Mas sexo nas novelas pode? A realidade não é crime, nem é sacanagem – bem resumiu Mr. Catra.

Libertação feminina (o feminismo sem cartilha, como descreve o DJ Marlboro), o papel do poder público nas comunidades e até referências ao cinema nacional como inspiração para as composições são temas abordados e interpretados a partir da visão dessa comunidade. O documentário não teve grande repercussão no Brasil, o que foi uma pena. Vale esquecer o preconceito e não ignorar, pra variar um pouco, o que acontece todos os dias bem do nosso lado.

Post Author: Layllis

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