É pessoal, pode me bater, pode me xingar, pode dizer que me odeia, mas não posso esconder que não gostei do filme Okja. Pelo menos não gostei tanto quanto o público está gostando por aí mundo afora. E vou explicar o motivo se você me der um minuto da sua atenção; talvez veja que eu tenho um pouquinhozinho de razão, pode ser? Então me acompanha!
Apesar da linda fotografia, tema superpertinente, excelente produção e excelentes atores, eu não consegui engolir algumas – ou quase todas – as soluções do roteiro. Começando aqui a zona de spoilers porque vou destrinchar o filme.
Em primeiro lugar, o tão inovador superporco que vai revolucionar a indústria da pecuária, ou da suinocultura, demora 10 ANOS pra crescer e se desenvolver. É isso mesmo, certo, eu entendi errado? 10 anos. Como isso pode ser melhor pra indústria de abate de animais se um boi demora 5 anos pra engordar se solto no pasto, 3 anos num pasto um pouco menor, e 18 meses se confinado? Já a engorda do porco leva um período médio de 5 meses. Há videos no Youtube ensinando a engordar um porco em 1 mês. De que forma então 10 ANOS são sinal de eficiência para a indústria da produção de linguiça? Mesmo que o animal no fim fique IMENSO, ainda assim me parece uma conta muito sem sentido. Fica claro que esse período de 10 anos foi colocado dessa forma apenas para ser o tempo de convívio da menina com a Okja, mostrando que ela cresceu ao lado do animal e deixando assim ainda mais triste a separação. Forçado.
Mas ok, digamos que a gente ignorou esse dado e continuou curtindo o filme. Aí vem as tais regras do concurso. Os animais vão concorrer no final desses 10 anos pra ver qual bicho ficou mais bonito. Ok, um pouco estranho um concurso que dura 10 anos; um meteoro, ou uma grande epidemia podem acontecer nesse meio tempo mudando completamente as prioridades do mundo. Mas vá lá, que os participantes do concurso estejam a postos 10 anos depois, conforme combinado, para colocar seus superporcos para avaliação. Aí nós temos um ganhador, o porco mais bonito (ou mais gordo?) e esse ganhador você imagina que vai virar tipo o garoto-propaganda da marca, certo? Vai ser usado para mil fotografias, anúncios, vídeos publicitários, de divulgação e afins. Mas não, o porco ganha o concurso e vai IMEDIATAMENTE pro abate. Oi? Esse concurso todo que levou 10 anos e 26 países pra escolher o porco mais bonito pra ele ser abatido LOGO DEPOIS DE GANHAR? Qual o sentido, gente? Forçado (2).
O mais estranho: ela estava grávida, não? Estupraram a coitadinha pra matar ela logo depois com os filhotes ainda no início da gestação no ventre da bichinha? TEM ALGUM SENTIDO ISSO? Ela deveria ficar viva pelo menos até gerar os porquinhos, afinal ela é a melhor porca e deveria ser pra sempre a principal reprodutora, como numa seleção natural só que artificial, não é assim que funciona a indústria? Mas não, esse fato foi completamente ignorado pra bichinha ir pro abate, só pra se criar o momento mais dramático do roteiro. Forçado (3).
Aí você pode argumentar “ah, mas ficou claro no diálogo da Tilda com a Mikha que o que importava era mais um porco na linha de produção do abate e não interessava se ela era linda maravilhosa ganhadora do concurso, amiga da Mikha ou não. OKEY ENTÃO PRA QUE VOCÊ FEZ O CONCURSO E ENGRAVIDOU A PORCA? Forçado, forçado, forçado.
Mas vamos falar mais um pouco sobre o estupro da bichinha. É assim que se fazem porquinhos e boizinhos, estuprando os animais? Ninguém que leu esse roteiro ouviu falar em inseminação artificial? Os touros tem o sêmen retirado para enviar para centrais de inseminação artificial que inseminam com muito mais eficiência trocentas vaquinhas. A falta de verossimilhança aqui foi chocrível! Mas foi extremamente necessária para criar a cena mais horripilante do filme. Que a “inseminação” seja feita da forma que foi feita no filme em fazendas menores até pode ser, mas numa empresa tão grande como a Mirando foi apenas forçado (4).
E mais, o responsável pelo “acasalamento” foi o tal biólogo/apresentador de programa, que é um personagem completamente sem sentido. Eu entendo a caracterização exagerada para dar o tom de sátira. Mas simplesmente não existe um biólogo apaixonado por animais que cometeria esse tipo de crueldade com animais. Ou você é biólogo apaixonado por animais que leva uma catarrada de Okja na cara e sorri, ou você é um sádico reprodutor de animais de uma mega empresa capitalista malvadona. As duas coisas não dá pra ser. Apresentador de TV então, junto com tudo isso, aí fica mais complicado. Sim, tem muitos apresentadores de programas sobre animais e natureza selvagem super excêntricos que lembram esse cara. Mas eles com certeza não fariam mal aos bichinhos. Ficava tão difícil assim fazer 2 personagens? Um ator pra ser o cara do laboratório sádico e um ator pra ser apresentador de TV naturista excêntrico? Forçado (5).
E que laboratório sujo, hein? Muito muito inverossímil que uma das maiores empresas de produção de comida do mundo tenha um laboratório tão imundo, com tantos órgãos reguladores de olho e fazendo constante fiscalização. Ainda mais em Nova Iorque. Forçado (6).
Outra coisa triste também foi ver tanto ator bom sobrando por ali. Por que diabos deram um papel tão inútil pro maravilhoso Giancarlo Esposito??? O coitado mal teve fala! Era apenas uma sombra da Tilda, totalmente desnecessária. Aquela história toda de irmãs gêmeas que se odeiam poderia ser deletada e colocar o Giancarlo pra ser o antagonista da Tilda. A tensão dentro da empresa poderia ter vindo de um embate entre os 2, que poderiam ser sócios e ter ideias diferentes a respeito do futuro dos superporcos. Aí sim o fogo ia ferver, vendo Tilda e Giancarlo num embate poderoso. Mas não, ficou uma briguinha de irmã morna e forçada (7).
“Poxa, mas você não consegue ver um ponto positivo nesse filme”? Consigo sim. Como já citei, além da fotografia, produção, bom elenco e tema pertinente temos também algumas desconstruções importantes. Os “mocinhos” da frente pela liberdade dos animais não são tão mocinhos assim, pois enganam a garotinha coreana. Teve ainda a cena do Paul Dano batendo no Steven Yeun que foi sensacional! Perfeita para desenvolver esse personagem que tem cara e discurso de bonzinho, mas aquele olhar amedrontador que só o Paul Dano sabe fazer. Foi a escolha perfeita pro papel. Também foi ótimo ver o Steven Yeun falando coreano e arranjando um novo trabalho de prestígio depois de The Walking Dead. Pena que ele apanhou coitado; enquanto ele apanhava, eu pensava “esse garoto só veio ao mundo televisivo pra sofrer, meu deus!”.
Enfim, pessoal, é claro que um filme que explora o tema da crueldade com animais e absurdos da indústria alimentícia é sempre bem-vindo e nunca será desnecessário. Mas esse tema já tem crueldade suficiente pra ser explorada sem precisar criar superporcos imensos, concursos que duram décadas, garotinhas coreanas heroínas e tudo mais. É claro, a amizade da menina com a porca foi fundamental pra gerar empatia e fazer a gente pensar duas vezes antes de comprar carne de novo, e muitas das críticas que eu fiz ao filme poderiam ser relevadas considerando o caráter satírico e fantasioso da história. Mas não consigo deixar de pensar que esse assunto já tem tragédia suficiente pra se explorar sem precisar forçar a barra em quase todos os caminhos do roteiro, como aconteceu em Okja.
E aí, acharam que eu tenho um pouquinhozinho zinho zinho de razão?