Você talvez não tenha visto o filme ainda mas certamente já ouviu diversas críticas ao novo filme do Darren Aronofsky estrelado pela Jennifer Lawrence: mãe!. Assisti o filme ontem e, apesar de toda a confusão sobre interpretações que tem pairado sobre o filme, minha primeira impressão foi ótima. Saí achando o filme maravilhoso. Meu susto veio depois ao ler as tais críticas e principalmente o que o próprio diretor falou sobre.
Não gosto de saber muito sobre filmes que eu quero muito ver. Pode parecer paradoxal, já que afinal, porque eu iria querer ver um filme se eu não sei nada sobre ele? Mas certos diretores, atores e até premissas podem fazer isso. Era o caso deste, já que contava com o diretor de Cisne Negro, filme que eu amo, e ainda é estrelado por Jennifer Lawrence, Michelle Pfeiffer e Javier Bardem, nomes que eu admiro como artistas. E apesar de ter lido manchetes, e por isso saber das polêmicas, preferi ficar por fora dos detalhes para ter o maior impacto possível.
[A PARTIR DAQUI CONTÉM SPOILERS]
Mas afinal, o que o diretor e roteirista falou sobre mãe!? Basicamente ele disse que o filme é uma versão da história bíblica, do Gênesis ao Apocalipse, sendo a personagem principal a representação da mãe natureza e o personagem de Javier Bardem de Deus. Sim, isso mesmo.
Foi aí que toda a maravilhosidade que eu tinha visto no filme ficou em cheque. Afinal, toda essa alegoria religiosa é bem óbvia no filme. Algumas nuances talvez passem batidas para quem não tem muito conhecimento bíblico (eu mesmo não tenho) ou não esperava isso – não consegui enxergar o Adão e Eva do Ed Harris e Michelle Pfeiffer com seus filhos Caim e Abel – mas outras como a perseguição da mãe grávida, a representatividade de Jesus pelo bebê e outros pequenos detalhes ficam bem na cara. E embora por um lado faça total sentido esta explicação, já que Darren é um ambientalista que recentemente fez um filme bíblico (Noé), por outro, ao meu ver, ficam pontas soltas e especialmente deixam o filme simplista, o que não condiz em nada com toda a forma com que ele foi desenvolvido.
Muitas falas dos envolvidos deixam escapar, no entanto, que há mais do que isso. Algumas até dentro do filme, como quando o personagem de Javier Barden fala sobre seu poema “que todos amaram mas cada um interpreta de uma forma”. Talvez isso possa ser dito sobre mãe!, como falou a Jennifer Lawrence ao Entertainment Tonight:
“Existem tantas mensagens diferentes, tantos jeitos diferentes que você pode interpretar tudo no filme. (…) Eu estou mais empolgada em observar as discussões. Eu gosto de ver a controvérsia. Escutar pessoas discutindo sobre o filme é música para nossos ouvidos, porque é por isso que [Aronofsky] o fez.”
Mas tem mais. Se a relação de Deus e (mãe) Natureza é de criador e criatura, porque então haveria no filme uma certa “luta” da Natureza com seu criador? Com uma ideia de abandono e de que Deus nunca a haveria amado? Não combina com a história Bíblica. Segundo esta as revoltas da natureza seriam com/contra o homem e a “mando” de Deus.
Alguns outros pontos seriam a personalidade de Deus. Apesar do antigo testamento retratar um Deus mais rancoroso e “cruel”, em nenhum momento ele é relapso ou ausente. Muito menos com a Natureza. Essas características são mostradas na relação com o homem, e no filme Deus estaria aparecendo como um ser dependente do homem, sem controle algum sobre a humanidade e totalmente relapso com a Natureza. A relação da Natureza com os homens também estaria aparecendo bastante esquisita já que ela nunca os teria aceitado de fato.
Qual outra mensagem poderia estar em mãe!, então? Talvez esta outra resposta da protagonista à Variety, sobre se ela acha que o filme seria feminista, possa dizer:
“Para mim, ele é incrivelmente feminista no sentido que essas histórias Vitorianas, patriarcais, mostram esses amorosos e maravilhosos maridos que gentil e delicadamente vão acabando com a dignidade de suas esposas. (…) Para ser um filme feminista, não precisamos ser todos mulheres e usar agressividade. Antes de sabermos o que o feminismo era, as pessoas estavam escrevendo essas histórias que mostravam a força da mulher sendo tirada dela”
E foi exatamente o que eu enxerguei. Mais do que sobre uma mãe, o filme fala sobre mulher. Talvez um tipo de mulher mais afastado da geração atual (ainda bem) mas uma mulher que muitas gerações podem reconhecer ali. Que com certeza foi a mãe de muitos: Um dona de casa, dedicada a tornar o lar o lugar perfeito para um marido que está preocupado com o trabalho e a opinião dos outros. Um mãe que muitas vezes tem que criar o filho sozinha para que no final não tenha o seu papel e mérito reconhecido pela sociedade. Uma mulher que sente o coração de seu lar parar de bater a cada passo em direção ao “sucesso” que seu par dá. Que tem sempre outros dizendo para ela o que deve fazer e como se comportar para ser a pessoa (a esposa, na verdade) ideal ao mesmo tempo que tenta evitar que as interferências externas acabem com sua união.
E o que acontece quando ela já não aguenta mais, resolve por um fim nessa situação toda, acabar um casamento falido e resgatar seu amor próprio? Muitas vezes é mal vista por todos como a que não conseguiu segurar seu homem, que não soube cuidar do lar e sai “queimada” da situação. Ainda sofrendo e tendo um marido que faz de tudo para manter ela “na espera”, com gestos que mantém o amor dela enquanto ele já seguiu em frente e acorda com uma mais nova em sua cama.
Viagem demais? Talvez. Mas com certeza é possível enxergar tudo isso lá, do mesmo modo como as referências Bíblicas. Acho mesmo que talvez tenha sido essa a intenção do diretor ao mostrar que a visão da nossa sociedade, mesmo no livro considerado por muitos como o mais sagrado, é machista e misógina (ou quem sabe foi sem perceber?). Afinal, depois de tudo o que ocorre no filme ainda conseguimos enxergar o “Ele” como um deus que simplesmente tenta fazer tudo dar certo e que quem falhou foi “Ela” e por isso é necessário que ela nasça novamente, para quem sabe dessa vez conseguir.
De qualquer forma, a gente percebe que ser mãe (e mulher) nunca foi fácil. Seja você a Mãe Natureza, Maria ou uma simples mãe.