Vai malandra!
httpssss://youtu.be/kDhptBT_-VI
Recentemente Anitta lançou sua nova música de trabalho, acompanhada de clipe: “Vai Malandra”. Apesar da cantora já ter sido bastante criticada por seu trabalho anteriormente, aos poucos foi conquistando o público e os haters foram diminuindo, chegando ao ponto de criar grande expectativa para seus lançamentos no país e quebrar diversos recordes nas plataformas de divulgação de seu trabalho. Mas a história com “Vai malandra” foi um pouco diferente…
Apesar de ter sim ganhado milhões de views e quebrado recordes, impulsionando ainda mais a carreira da cantora no exterior, desta vez vi muitas críticas ao trabalho. Ao clipe em especial. As duas principais “reclamações” se referiam à favela e à sexualização.
Acredito que as críticas ao retrato da favela e uso desta no clipe estão fortemente ligadas à outras críticas que eu li: a sonoridade da música em si – o retorno da Anitta ao funk. Na minha opinião, este é um incômodo ligado ao preconceito enraizado em nós. Preconceito com a pobreza, com a periferia e com que é nosso, brasileiro. Pois querendo ou não, a favela e o funk são brasileiríssimos. E embora eu não ache que devamos ficar glamourizando a pobreza das favelas, renegar e esconder o que é nosso também não vai nos levar a lugar nenhum. Ver o que tiramos de bom daí – o funk, por exemplo – e não esconder nossas origens é o que importa (e sobre o que é o clipe). Mas esse assunto fica para outro post.
Aqui resolvi tratar desta grande dúvida que me abalou ao ver tanta gente incomodada com uma bunda: por que a sexualidade da mulher ainda incomoda tanto?
Dentro os diversos argumentos usados para desqualificar o clipe estão os de que ele não seria nenhum pouco diferente das tão criticadas antigas propagandas de cerveja, que ele reforçaria estereótipos, usaria o corpo da mulher para se promover, que teria só gente nua e nenhum conteúdo, ou que falar que está “brincando com o bumbum” seria voltar para a fase anal da música.
É tão difícil assim ver as diferenças?
Basta ver as letras das músicas da Anitta – quase todas escritas por ela – para perceber que ela não é um objeto. Os homens é que devem ficar só olhando, ela é quem vai ficar – e vai trair, a própria menina má, meiga e abusada, que dá o tiro certo – (bang!), que deixa ele sofrer e que decide se dá o sim ou o não. Além disso, é ela quem gerencia sua própria carreira, quem conseguiu levar a música brasileira pro exterior de uma forma que não vemos há muito tempo e que ainda consegue ajudar e dar visibilidade para ritmos e artistas que até então eram renegados pelo grande público. Anitta é o sujeito e não o objeto. O grande pecado dela? Ter e reconhecer sua própria sexualidade.
Estamos cansados de ver – em todos os nichos musicais – homens se gabando de suas conquistas, ostentando masculinidade e virilidade e fazendo mulheres sofrerem. Isso sempre foi aceitável e muitos que cantaram isso são grandes ídolos da musica nacional, fazendo inclusive que você seja tachado de ignorante ou sem cultura se não gostar de seus versos machistas. “Ah, mas ela rebola com pouca roupa!” alguns podem dizer. Então para uma mulher ser levada a sério ela deve ficar paradinha – não a da Anitta, claro – e totalmente vestida? E não venha me dizer que o mesmo se aplica aos homens: Ney Matogrosso, Red Hot Chilli Peppers e Elvis Presley, não são desqualificados hoje em dia por sua dança ou exposição de seus corpos.
O problema então não parece ser nem com nudez, nem com sexo. Também não parece ser com o corpo da mulher, já que este foi explorado por anos pela indústria do entretenimento e nunca tivemos muitas reclamações até recentemente, quando as mulheres resolveram dizer que se sentiam incomodadas com isso. Talvez o problema seja quando é a própria mulher que ESCOLHE usar o seu corpo para os seus propósitos.
Finalmente temos a questão da imagem. Se mesmo depois do que já foi exposto aqui você ainda acha que isto aqui embaixo é mais parecido:
Do que isto aqui:
Você entendeu tudo errado. Não se pode analisar sem ver o contexto e a mensagem que se quer transmitir. Se numa propaganda de cerveja a mulher é tratada apenas como um objeto para vender o produto para o público masculino, no clipe ela é a protagonista, usada para vender a imagem dela mesma, a mensagem de que a mulher pode sim ser do jeito que quiser e fazer o que quiser e deve ser respeitada. E para um público muito mais amplo. Além, é claro, de estar no contexto do cotidiano da favela, onde o banho de sol já é uma realidade tem tempo. Se alguma comparação pudesse ser feita, seria com esse clipe do rapper Sisqo, por exemplo, de (pasme) 1999, que nunca causou alvoroço algum (assim como todos os outros do estilo). Porquê? Talvez porque o homem como protagonista, cheio de masculinidade, envolto por mulheres seminuas seja visto como aceitável mas quando os papéis são trocados e é a mulher que está ali, dona de sua sexualidade, com homens seminus ao seu redor ela é vista como vulgar (para não dizer o mínimo).
E não podemos esquecer, se você viu bastante sexualização mas não viu isso:
Talvez seja melhor você procurar um oftalmologista. Porque o clipe mostrou muito mais do que um biquíni de fita isolante.
O reforço de estereótipo
Chegamos ao argumento dos estereótipos. Outro dia estava discutindo com alguns amigos sobre isso e me fez chegar a algumas conclusões. A principal delas é que toda vez que nós fazemos questão de negar um estereótipo estamos reafirmando um preconceito. Porque estamos quase que automaticamente associando que o estereótipo é algo ruim. “Sou gay, mas não sou afeminado!”, “Sou brasileiro, mas não sei sambar!”, “Sou mulher, mas não sou sensual”. E os gays afeminados? E os sambistas? E mulher que é sensual? São ruins? São menos só porque se encaixam em algum estereótipo? Claro que não.
Obviamente é ruim quando nos julgam sem nos conhecer e assumem coisas a nosso respeito que podem não condizer com a verdade, mas ao mesmo tempo querer negar tão veementemente algo faz parecer que há algo negativo associado aquela característica, quando o único problema que existe é o respeito. Ou melhor, a falta dele.
Ninguém deve pressupor nada sobre o outro; o correto seria cuidadosamente perguntar, procurar saber. Mas se alguém caiu neste erro de te encaixar em um estereótipo, cabe a você gentilmente negar ou confirmar. Se você é brasileiro e assumiram que você gosta de futebol, mas você não gosta, basta dizer que não gosta, educadamente, e pronto. Quantos brasileiros gostam de futebol, não é mesmo? Tem algo de errado com eles? Não. Se você gostasse provavelmente ficaria feliz em logo engajar uma conversa sobre o esporte.
O mesmo vale aqui. Tem algum problema em ser uma mulher do morro? Ser uma mulher do morro que se bronzeia na laje? Ser funkeira? Não. Aqui é mostrada apenas uma visão. E não tem nada de errado com ela. Basta ver os outros clipes da Anitta para ver que este não é o único modelo que ela apresenta para o mundo da mulher brasileira. Se você não gosta deste modelo, talvez seja preconceito seu.
O X da questão
A verdade é que muita gente não busca ter conhecimento das coisas para fazer criticas. E esse trabalho da Anitta é apenas a prova disso. As pessoas buscam apenas argumentos que deem base para algum sentimento que elas têm. Sentimentos esses que muitas vezes elas não conseguem explicar ou admitir, por saber que são sentimentos preconceituosos e limitados.
Confrontados com a sexualidade da mulher as pessoas se assustam e deixam aflorar todos os resquícios de machismos que foram empurrados a vida toda para dentro da gente. O que incomoda não é uma bunda, não é o sexo, não é uma música, ou uma dança. Estes sempre estiveram aí ao alcance de todos, só que sob controle dos homens. O que incomoda é a mulher dona de si, sem medo de expor sua sexualidade e de estar no controle dela.