(Contém spoilers sobre o final da série Sharp Objects)
Quem tá frustrado levanta a mão! \o/
O final de Sharp Objects chegou e deixou muitas perguntas sem respostas. Tivemos ao longo da série de 8 episódios da HBO uma construção fortíssima de cada personagem, muitas vezes até repetitiva: mil vezes assistimos aos abusos verbais da mãe da Camille, mil vezes assistimos os resultados desse abuso na personalidade e no corpo da Camille, mil vezes presenciamos o comportamento narcisista de Amma, mil vezes vimos o sofrimento de Camille pela perda de sua irmã Marian e de sua amiga da reabilitação. Mil flashbacks, mil cenas repetidas, foi uma construção excelente e didática que desenhou claramente a revelação final: Amma é a assassina. O problema é: se a própria série nos acostumou a ver repetitivamente todas as reações da Camille a cada momento crítico da sua vida, como ficamos agora sem saber como ela vai lidar com a revelação que Amma é a assassina? A irmã que está morando na sua própria casa vai ter qual final? Camille vai entregá-la a polícia? Amma vai tentar matar Camille para não ser denunciada? Camille vai ficar bem ou voltar a se cortar depois dessa descoberta?
Uma série que sempre falou muito, de repente fez a linha poucas palavras e disse apenas o necessário. Amma é a assassina. Durmam com isso. E ponto final.
Não satisfeitos com essa revelação curta e grossa ainda colocam durante os créditos cenas confusas mostrando um pouco, bem pouco mesmo, sobre como as mortes ocorreram. Muita gente não chegou nem a ver e quem viu não entendeu bem. Amma não parecia estar sozinha, mas quem estava com ela? Qual motivação levou Amma a cometer os crimes? Como ela teve força para arrancar os dentes? Algum homem participou, ou foi apenas a gangue das patinadoras? Como levou o corpo de Natalia Keene na luz do dia sem ser vista até o beco onde a menina foi encontrada? Vamos ficar sem saber. É claro que deu pra entender. Depois de ver Amma com ciúme da nova amiga Mae que queria ser jornalista igual Camille, ela vai lá e mata a menina. Ou seja, Amma mata por ciúme. Porque quer ser a única amada e adorada. Mas você não queria ver cenas da Adora tutoriando as meninas Ann e Natalie e Amma assistindo aquilo com ciúme? Eu queria. Não é porque entendemos que não é necessário mostrar, já que toda a série se formatou na excessiva exposição de cada comportamento dos personagens.
Muitas outras coisas também ficaram sem explicação. Em que ocasião se deu a mordida na orelha de Ashley Wheeler (certamente feita por Natalie)? Por que ela limpou o sangue embaixo da cama ao invés de denunciar para a polícia imediatamente quando o encontrou? Ela estava tentando proteger o namorado John ou a irmã Jodes, que é parte da gangue das patinadoras e ajudou Amma a matar as meninas? Ashley ao limpar o sangue sabia então que a irmã fez parte do crime? E ao incriminar John mostrando o sangue ao detetive Vickery ela tentou livrar a cara da irmã, jogando a culpa pra cima de John? Ou apenas quis ganhar publicidade mesmo?
Adora chegou a tentar matar Ann e Natalie dando-lhes veneno? Por que exatamente Vickery fez vista grossa para os crimes de Adora? Que tipo de relação eles tinham? Quem é o pai de Camille? Por que Alan ouvia música o tempo todo e sempre em alto volume? Por que mostravam cenas de ventiladores o tempo todo? Por que Alan continuava casado com Adora se tinham uma péssima relação onde ele servia apenas de capacho dela? Alan sabia do crime que Adora cometeu (matando Marian)? Sabia que ela estava também tentando matar Camille e Amma? Por que Jackie visita Adora na cadeia se ela sabe que Adora matava suas filhas, por que manter uma amizade dessas?
Ai, muito frustante. Muita construção sem pay off é extremamente irritante. Por que nos fizeram ver trocentas cenas de Alan ouvindo música se não saberemos nada a fundo sobre ele, ou sobre esse comportamento musical? Quando a série é boa, bem produzida e bem atuada como Sharp Objects, nós sabemos que toda cena vai ter um sentido. Em algum momento todas as cenas de Alan ouvindo música teriam um resultado, uma explicação, um motivo para todo aquele tempo de tela. Mas não. Não era nada mesmo. Era só um cara num casamento ruim ouvindo música. Me poupe.
Abaixo vou descrever como imaginei o final dessa série. Mas antes vamos falar sobre os pontos positivos né, porque do jeito que estou escrevendo parece que não teve nenhum. Mas teve sim, e muitos!
Pontos positivos
O ponto alto da série pra mim foi evidenciar o quanto uma doença mental cria um ciclo vicioso, perpetuando o comportamento nocivo para toda a família, os amigos, ou até mesmo por toda uma comunidade. A mãe de Adora agia abusivamente com ela. A beliscava quando ela estava dormindo, deixava ela sozinha no meio da floresta de noite. Não ficou muito claro se ela tinha a mesma doença de Adora, a síndrome de Munchausen, ou se tinha algum outro tipo de doença mental. Mas sabemos que Adora então desenvolveu essa síndrome onde tem a necessidade de manter as pessoas doentes para controlá-las. Acredito que pessoas com essa síndrome buscam dois objetivos: um é receber atenção, pois uma mãe que vive cuidando de um filho doente vai ter sempre muitos olhares de pena e compaixão. O outro é controlar a vida da pessoa doente, já que esta dependerá da cuidadora para tudo. E acredito que seja essa justamente a maior necessidade de Adora: controlar as pessoas. Ela quer todos sob seu mandato, obedecendo cada passo que ela mande dar. E a única forma de conseguir isso era fazendo as pessoas ficarem doentes, pois então elas ficariam frágeis e precisando de sua ajuda. Claro, se sentir “precisada”, necessitada, por uma filha adolescente que não para quieta em casa deve ser reconfortante para muitas mães. Mas chegar ao ponto de infligir uma doença grave com veneno de rato na criança apenas para vê-la precisando de sua ajuda é muita psicopatia.
Então essa doença de Adora se refletiu nas suas filhas. Uma teve que se tornar uma rebelde para recusar constantemente todos os remédios e tentativas de cuidado de Adora. Com isso nunca recebeu amor e atenção da mãe, já que Adora só ficava feliz e carinhosa com as filhas quando elas estavam doentes sob seus cuidados. Falta de amor = baixa auto-estima, logo Camille cresceu completamente rejeitada, sem nenhum amor e atenção da mãe e consequentemente com uma severa baixa auto estima, que a fez cortar seu corpo inteiro.
Já em Amma a doença de Adora se refletiu de uma forma muito pior. Nunca saberemos se Amma já nasceu psicopata ou se desenvolveu isso por causa dos abusos maternos, mas acredito que para se tornar uma assassina a pessoa já tem que ter nascido com a doença da psicopatia minimamente latente. Do contrário ela viraria apenas uma menina abalada como a Camille virou. Porém uma psicopata que vê na sua própria casa a mãe matando a irmã e também tentando matá-la, obviamente vai achar que esse é o caminho natural de se fazer as coisas. Estou com ciúme? Simples, vou matar a pessoa a luz do dia. É normal matar. Minha mãe matou minha irmã e tenta me matar constantemente. Por que eu faria diferente?
Fica aqui entretanto outro questionamento sobre a doença mental de Amma. Ela teria psicopatia ou narcisismo? Pois o psicopata tem ausência de culpa mas também ausência da necessidade de ser amado. Ele mata apenas pelo prazer em matar e não por outro motivo como ciúmes. Já o narcisista tem necessidade extrema não só de ser amado mas de ser o mais amado, o mais adorado, o único admirado entre todos os seres existentes. Quase o oposto do psicopata que não está nem aí de ser odiado por toda uma nação por cometer crimes hediondos, já que ele não tem sentimentos. Mas mesmo não sendo psicopata, o narcisista também é capaz de ir a extremos pela necessidade de ser admirado e amado. E esse seria o caso de Amma. Vimos em várias cenas a sua necessidade de ser amada pelos pais a ponto de se deixar envenenar para não desapontá-los. E pelas amigas e meninos também nutria uma relação doentia de ser sempre a líder de todos os grupos. O narcisista sabe que matar é errado, pode até sentir alguma culpa, mas não vai deixar de fazer se isso vai levá-lo ao seu objetivo maior de eliminar seus concorrentes. Então pra mim está claro, a doença da Amma é o transtorno da personalidade narcisista e não a psicopatia.
Temos então 3 gerações completamente afetadas pela doença da mãe de Adora que foi se perpetuando em cada geração e em cada filha a sua própria maneira. É muito interessante e também muito triste observar como cada pessoa reage diferente a um mesmo abuso. Amma mata por ciúme, Camille se corta. Por isso é sempre muito cruel quando vemos a sociedade cobrar a mesma reação a um determinado acontecimento das pessoas, pois não sabemos o que cada um passou na vida e temos que entender que nem todos reagem da mesma maneira aos traumas vividos. É comum ouvir frases como “também tive uma infância difícil e não fiquei desse jeito”, “também tive depressão mas dei a volta por cima”. Sempre somos cobrados a ter um comportamento padrão, dar a volta por cima, não exibir as emoções (assim como John Keene foi cobrado). É muito cruel ver pessoas que tiveram uma vida absurdamente difícil como a Camille tendo que trabalhar, ir bem no emprego, namorar, e fazer tudo que pessoas “normais” fazem, tendo que lidar em pé de igualdade com outros funcionários ou candidatos ao seu cargo, ou outras meninas que querem namorar o mesmo cara que ela e não tiveram os problemas emocionais que ela teve. É muito mais fácil ser uma pessoa tranquila e agradável se você nunca passou por tudo que ela passou. Mas se ela quiser ter um bom emprego ou um namorado vai ter que agir como uma pessoa normal que nunca passou por nada disso, pois não há espaço para dores emocionais na nossa sociedade. O mundo não pára para que você recomponha seus caquinhos e Camille aprendeu isso da pior maneira.
Além de tudo isso a série explora a doença das pessoas que se cortam. Mas o que deveria ser uma denúncia desse tipo de comportamento e incentivar que as pessoas que tenham esse problema busquem ajuda e sejam mais compreendidas pela sociedade, acaba sendo também um incentivador desse comportamento. Mais ou menos o que aconteceu com a série “13 reasons why” que tentou denunciar o suicídio por bullying entre jovens mas acabou incentivando muitos a se suicidar. Acredito que a pessoa que já está com esse comportamento ali latente, ao ver uma personagem como a Camille sofrendo e se cortando, deve se identificar imediatamente e se sentir motivado a se cortar também, pois a catarse que uma obra ficcional causa é sempre muito forte. Não sei como denunciar e discutir esse tipo de tema sem acabar incentivando. Talvez não mostrando as cenas dela se cortando e apenas o resultado do corpo todo dilacerado poderia ter um efeito mais negativo do que influenciador. Mas é apenas um palpite.
Minha finale ideal
Fiquei uma semana imaginando como seria essa finale antes de chegar no grande dia. Imaginei que veria toda a musicalidade de Alan tendo um objetivo, talvez ele fosse um assassino que gostava de ouvir música alta enquanto matava? Imaginei cenas dele matando ao som das músicas que ele ouvia constantemente. Imaginei cenas de Adora com Ann e Natalie, Natalie mordendo sua mão, recusando seus remédios. Amma assistindo tudo, morrendo de ciúme, perseguindo as meninas, manipulando suas amigas para ajudá-la nas mortes. Imaginei John Keene sendo solto, Ashley e Amma surtadas ao saber que ele transou com Camille. Imaginei Detetive Willis tendo um final feliz com Camille, indo morar com ela em St Louis. Imaginei flashbacks onde vemos que Vickery é o pai de Camille, e por isso fez vista grossa para os crimes de Adora. Imaginei Amma na cadeia, manipulando suas companheiras de cela a fazerem merda, seduzindo as guardas para conseguir regalias. Imaginei cenas das amigas de Amma ajudando a esconder os rastros do crime e Amma ameaçando e manipulando para que elas não contassem nada a ninguém. Ah imaginei muita coisa mas ganhei só Camille se arrastando pelo chão envenenada, Adora presa e flashs de segundos que mal dão pra ver Amma matando as meninas. Frustração define!
E você? Conta pra gente o que achou dessa finale e se souber responder algumas das minhas perguntas que ficaram no ar por favor deixa aí nos comentários!
Até mais pessoal!