Anunciado em 2014, o primeiro filme live action da boneca mais famosa do mundo deveria ter chegado as telonas mundiais em 2017 pela Sony Pictures, segundo o primeiro anúncio, ou em 2018, de acordo com adiamento que seguiu. Não foi o caso, mas o buzz gerado quando escalaram a atriz que interpretaria a personagem, a comediante Amy Schumer, ainda ressoa.
As reações por Amy ser mais velha do que a aparência jovial de sua versão de plástico, ou talvez por não ser tão magra quanto ela, ou talvez ainda por ter um humor ácido, mas possivelmente por tudo isso junto, não foi das melhores, tendo gerado muita rejeição do público. Para a alegria dos críticos em março de 2018 a atriz foi obrigada a sair do projeto deixando incerto o futuro da produção.
Novo começo
Dia 9 de Janeiro deste ano, no entanto, o filme voltou a ser assunto quando ressurgiu na mídia com grandes mudanças. Agora a estrela da Mattel será interpretada pela atriz Margot Robbie (famosa por sua Arlequina em “Esquadrão Suícida”), que também produzirá o longa, e passou para as mãos da Warner Pictures, com previsão de lançamento para 2020.
Mas se você acha que a semelhança da atriz, indicada ao Oscar pelo seu papel em “Eu, Tonya”, com a boneca iria passar longe de polêmica, você pensou errado.
Não demorou para que as redes sociais se enchessem de pessoas criticando a escolha de Margot para o papel. Sua justificativa é de que a Barbie, loira magra e alta, perpetuaria ideais de beleza inalcançáveis e estaria indo contra ações de inclusão e diversidade que a própria Mattel vem implementando nos últimos anos.
Mudanças na personagem
A questão da mudança em personagens é sempre um tema delicado pra mim. Eu particularmente sempre fico dividido porque, se como espectador, concordo que seria possível e maravilhoso fazer uma Barbie diferente no cinema (estava muito ansioso pela versão da Amy), ainda acho que ela acabaria sendo apenas uma versão. Existiria sempre a Barbie “original” e esta outra do cinema. Como criador não acho que seja possível o que muitas pessoas desejam: a transformação completa e total de um personagem instantaneamente. Pra mim o personagem é como uma pessoa (especialmente se foi bem construído). Ele só é o que é por todos os fatores físicos, sociais e psicológicos que o construíram. Qualquer mudança nisso geraria outra persona. O que está tudo ótimo se estamos falando de versões. Amo what if, amalgamas e realidades alternativas! Tudo isso tem mais é que ser explorado mesmo e muitas vezes pode gerar coisas mais interessantes que o material original.
Mas quando se trata de personagens tão conhecidos e simbólicos, como a Srta. Barbara Millicent Roberts, que já tem seu lugar gravado na memória coletiva, talvez não seja a melhor solução. Uma saída válida (e na qual considero que a Mattel tem sido muito bem sucedida) é justamente o que vem sendo feito com a boneca: o amadurecimento do personagem. A Barbie é loira, é alta, é magra, é rica, tem olho azul e mora em Malibu. Esse é o personagem dela. Ela poderia tingir o cabelo, usar lentes de contato, engordar, empobrecer? Poderia. Mas seria só uma máscara, uma solução fácil e burra. Nada disso ia apagar o “passado” que ela tem e que a maioria conhece. Então que fazer? A escolha da Mattel foi diversificar e aprofundar.
A nova Barbie
A Barbie continua sendo loira, rica e magra. Seu universo não mais. Suas amigas todas ganharam nomes e histórias. E nenhuma delas é loira. Latinas, negras, asiáticas, mestiças. Hoje em dia você pode encontrar praticamente todas as etnias numa boneca da Mattel nas lojas e nas histórias dos desenhos da marca.
Não só isso: reconhecendo a importância do impacto da boneca na imagem das meninas em crescimento, em 2016 diferentes versões de corpo foram adicionadas a ela. Agora temos disponíveis versões curvy (mais cheinha), tall (mais alta) e petit (baixinha) em diferentes etnias e roupas. Seu companheiro Ken acompanhou a onda e desde 2017 existe nas versões slim (magrinho), broad (mais parrudo) e original.
Além disso as produções que envolvem Barbie e seus amigos começaram a tratar temas muito mais profundos, autocríticos e (por que não) engraçados. Seu vlog no youtube fala sobre temas que vão de matemática, arte e ciência, citando importantes figuras femininas da história como Frida Khalo e Amelia Earhart, autoaceitação da sua própria imagem, bullying e vão até depressão.
Seus desenhos, como “Barbie – Life in the Dreamhouse”, já zombam da sua antiga imagem consumista e fútil, a medida que apresentam uma Barbie multifuncional, que passou por mais de 200 profissões mas ainda ama seu namorado atrapalhado e é ligada a família.
Somado a isso, os novos modelos de destaque deixaram de focar em passeios no shopping, férias na praia e cabelos multicoloridos (apesar de todos esses ainda estarem disponíveis) para estrelar bonecas nas mais diferentes profissões (muitas ainda dominadas por homens, como cientista espacial) e homenagens a importantes figuras contemporâneas femininas, como foi o caso da versão de plástico da esgrimista Ibtihaj Muhammad, que rendeu a primeira Barbie de hijab.
Mas como isso ajuda?
Ao meu ver, aprofundar um personagem que antes era símbolo de futilidade pode ser muito mais útil do que passar uma borracha. É sinal de que todos podemos amadurecer. Além é claro de dividir o destaque e ampliar o alcance da mensagem.
Mais do que isso: pessoas como a antiga Barbie sempre existirão, não adianta apenas desejar que sumam. Este público, aliás, que de cara rejeitaria uma versão alternativa do que eles já tem como padrão e passaria longe das salas de cinema de uma Barbie diferente, pode ser levado pela imagem da antiga Barbie e quem sabe aprender algo de bom com todas as coisas novas que ela tem para mostrar.
Não me oponho a novas versões e adaptações. Elas são muitas vezes necessárias e fortuitas. Tudo depende da mensagem que se quer passar e o público que se quer atingir. Acredito que mesmo com a Barbie “padrãozinho” seja possível diversificar e produzir um filme atual e significante. Um filme inclusivo que possa agradar e atingir uma audiência maior do que uma versão alternativa.
Mas para isso muitos outros fatores vão pesar e não só a aparência da protagonista.