Mexeu com uma, mexeu com todas!

Assisti um pouquinho atrasada à série mega bem falada “Big Little Lies”. Compensei o atraso assistindo tudo de uma vez, numa sexta das 22h às 6h da manhã. A última série que tinha feito isso comigo foi “24 horas”; não por sua qualidade (24 horas na verdade é meio xexelenta), mas sim porque o Jack Bauer quase impedia o fim do mundo segundos antes do episódio acabar, te obrigando a ver o próximo mesmo que você soubesse que ele só salvaria o mundo no episódio 24. Mas Big Little Lies consegue fazer isso por sua EXTREMA qualidade. Você quer mais daqueles personagens, daquelas crianças, daquele drama, daquele suspense.

Pra quem ainda não assistiu, a série conta a história de mães ricas e dedicadas que escondem várias tretas pesadas. Ficamos sabendo logo no início da série que ocorreu um assassinato, mas não é informado quem morreu nem quem matou, deixando nós, pobres espectadores, desesperados pra desvendar esse babado. Agora se você já viu pode continuar lendo que vem muito spoiler por aí!

Senti, de início, imediata surpresa pelo trio de atrizes escolhido encaixar tão perfeitamente entre si e em seus respectivos papéis. Nunca fui tão fã de nenhuma delas antes de assistir essa série. E confesso que quando vi os cartazes pensei: “hum, que trio inusitado…”. Mas até Shailene Woodley, que nunca me convenceu muito em seus outros papéis (não assisti Os Descendentes), aqui está PERFEITA no papel da jovem atormentada pelo estupro e que cria com muito amor o filho gerado desse crime. Todos os olhares da atriz revelam com perfeição o que ela está sentindo. Talvez, das 3 principais, ela foi a que me passou mais naturalidade no personagem.

Mas justiça seja feita, todas as 3 estão tão bem em seus papéis, que você não cogita em nenhum momento que elas não são aquelas mulheres e que aquilo é apenas encenação. Pra mim elas são agora Madeline, Jane e Celeste e pra sempre serão <3.

Reese Witherspoon sempre foi boa e cativante, mas aqui conseguiu ser extremamente boa e cativante mesmo no papel de uma mãe em tempo integral nervosa e chatérrima. Confesso que, nos 2 primeiros episódios, seu excessivo nervosismo e seus “white people problems” me fizeram pensar que se não tivesse um crime pra ser desvendado, eu não ficaria ali assistindo aquilo. Mas que bom que o roteiro foi amarrado dessa forma, pois só entrando fundo no mundo das mães ricas é que conseguimos entender os problemas GRAVES que estavam por baixo das aparências.

E Nicole Kidman… Ai ai ai… O que foi aquela cena na terapia com ela e o marido tentando colocar a psicóloga a par da situação. Diálogo, olhares, linguagem corporal PERFEITOS elevando pouco a pouco a tensão até a psicóloga entender o que estava acontecendo ali e ficar claramente apavorada. Palmas Nicole e Skarsgård por uma das melhores cenas da série.

A terapeuta já tava quase passando a mão no celular pra ligar pra polícia a qualquer momento.

E as crianças… Ai, as crianças… Já trabalhei numa creche e vi um menino adotado e perturbado por traumas vividos antes da adoção se tornar um bully e chutar constantemente a mais fofa e indefesa das menininhas nas costas, a sangue frio. Essas memórias vinham à tona toda vez que aparecia na tela a fofa Amabella, e me dava desespero de saber quem é que estava fazendo isso. Já vi séries que desenvolvem maravilhosamente bem seus personagens, mas deixam as crianças em segundo plano, servindo apenas pra mostrar “olha, esse casal tem filhos e de vez em quando os filhos choram ou reclamam de alguma coisa”. Mas aqui, talvez pelas crianças serem peça chave no desenvolvimento da trama, não teria como dedicar pouca atenção a elas. E vieram então atores mirins maravilhosos, com personagens super interessantes. Em completo destaque, temos a maravilhosa atriz Darby Camp como a super dotada Chloe. Linda, ultra esperta e apaixonada por músicas antigas. O que nos trouxe uma das melhores trilhas sonoras de todas as séries que já assisti.

Alguém duvida que ela vai ser DONA de Hollywood no futuro?

Já Iain Armitage no papel de Ziggy tem a serenidade no olhar de um menino mega fofo ou de um psicopatinha em potencial, dependendo de onde o roteiro resolvesse apontar. Sonâmbulo, sofredor de bullying e filho de um estuprador, não para de perguntar pelo pai. Só Jesus na causa, gente!

PAVOR dessa criança aparecendo do nada no quarto da mãe enquanto ela dormia.

Temos ainda os gêmeos perfeitos que, lá pelo 4º episódio, começaram a chamar minha atenção para talvez serem os algozes da Amabella. E essa fofinha que não revelava de jeito nenhum quem a estava torturando lentamente… AHHH, que agonia!

Fala quem foi, coisa linda. Pelo amor de Deus!

Todo o time de atores coadjuvantes era impecável e não tinha um que parecia fora do lugar. Mas, além dos atores, outra coisa que brilhou demais foi a edição. Sem a edição e a montagem do jeito que foi feita corria o risco dessa história não prender em nada a nossa atenção. Afinal, quem se importa se Chloe vai ou não na festa da Amabella, se as mães vão ficar brigadas ou se vão voltar a se falar, se Renata Klein tá trabalhando demais ou se tá cuidando da família, se Madeline tá frustrada de ficar em casa sendo mãe, ou se vai retomar a carreira. WHO CARES? Mas com as rápidas inserções de cenas BIZARRAS do passado e do futuro das personagens é que o roteiro nos fisga por completo. Você vai percebendo que o buraco é BEM mais embaixo e fica louco pra desvendar os mistérios: quem matou, quem morreu e quem tá atazanando a criança!

O roteiro vai te guiando pelo lado negro de todos os personagens pra te fazer pensar propositalmente que todos poderiam ser o assassino e que todos tem alguma motivação pra matar alguém dali. Um pouco forçadinha essa escolha de roteiro mas, pensando bem, não é isso mesmo que acontece na vida? Todos temos um lado negro e todos já tivemos algum desafeto que precisamos contar até mil pra não dar uma voadora na cara. E é justamente nesse limiar do auto controle humano que a série trabalha; todos ali tem motivações e probleminhas psicológicos. Qual deles vai explodir primeiro a ponto de gerar um assassinato?

Até do marido bonzinho o roteiro tenta fazer a gente desconfiar!

Foram muitos os meus chutes, o roteiro foi me conduzindo direitinho a pensar tudo o que eles queriam que eu pensasse. Mas quando percebi que essa era a estratégia falei “ahhh, pode parar que eu não sou boba, vou focar em quem dessa trama toda tem real chance de matar alguém”. E é claro que nesse momento cheguei à conclusão que a morte só poderia vir da doentia relação de Celestine e Perry. Ou ele vai acabar matando a coitada, ou ela vai matar o monstro se defendendo. Felizmente foi a segunda opção! Ou quase…

Alguns detalhes do roteiro são maravilhosos. Perry brinca de ser um monstro com os filhos. É monstro MONSTRÃO mesmo, né, pessoal? E quando a série nos apresenta Celeste pela primeira vez a música que toca diz “I’m a victim of loving you”. Mais literal impossível. O papel da música é importantíssimo nessa série e vale ver tudo de novo pra perceber todos os detalhes que perdemos da primeira vez, quando ainda não conhecíamos a fundo a história de cada personagem. Outra cena crucial: quando Perry fica muito preocupado com a história da menininha que foi sufocada na escola e pergunta quem fez isso (claramente preocupado que poderia ser um de seus filhos). Quando Celeste conta que foi o Ziggy, ele então diz que não quer que seus filhos andem com um menino violento (!). E a cena termina com ele apertando Celeste com força, dando os primeiros sinais da relação violenta dos dois. A clara hipocrisia dos machistas…

Sobre essa relação doentia é importante ressaltar o real papel de vítima da Celeste. Sim, ela poderia fugir, se mudar, se divorciar, ao invés de continuar casada com aquele cara. Mas 2 motivos tornam essa atitude muito difícil. Primeiro, ele não aceitaria a separação fácil, obviamente, né. Ela teria que realmente fugir, e com os filhos. Pra escapar de um homem desse só fazendo a Julia Roberts no filme “Dormindo com o Inimigo”. Fingindo a própria morte.

Quem não roeu todas as unhas enquanto a Julia VOLTAVA NA CASA pra pegar a mala e ainda se vestir antes de fugir?

Além disso, ela precisaria de dinheiro, bastante dinheiro, para fugir com os filhos até se restabelecer profissionalmente, já que ela tinha abandonado a carreira por causa do cara. E aparentemente era ele que controlava o dinheiro e perceberia se ela desviasse qualquer quantia. Oportunidade de fugir ela tinha, era só escapar enquanto o cara viajava. Então vamos supor que ela conseguisse grana e planejasse um local (distante, né, de preferência) para ir. Aí entrariam os aspectos legais. Ele ia protestar pela guarda das crianças e ela teria que provar todas as agressões, como a psicóloga falou. Coisa que seria muito difícil, já que ela não se abria sobre isso com ninguém. Ou seja, BEM complicado.

O segundo ponto que dificulta muito da mulher (ou qualquer pessoa em situação de abuso) conseguir sair de uma relação assim, é que o agressor retira totalmente a autoestima da pessoa com os sucessivos abusos. Ela deixa de ter voz, vontade, liberdade, individualidade, nada disso é levado mais em conta. Na primeira conversa entre as 3, a Jane fala que sente como se a vida dela não fosse dela e que estivesse vendo tudo de fora e só a Celeste entende. A Madeline fica perdida no papo e depois Celeste e Madeline trocam longos olhares, já dando pistas da conexão entre elas. Só as duas que sofreram abusos tem a mesma sensação, que a vida não é mais delas. É como se a pessoa deixasse de existir. A pessoa deixa de confiar em si mesma, de amar a si mesma, e passa a pensar que até merece aquele tipo de tratamento.

Além disso, temos outro problema, que é o agressor ser a mesma pessoa que dá “amor e atenção”. A pessoa sem amor próprio depende completamente do “amor” que o agressor dá. Só que ele tira esse “amor” a qualquer momento e troca por violência. Então, a relação fica completamente dúbia. Um dia ela ganha elogios, flores, presentes. No outro, tapas, socos e palavrões. Na psicologia, existe uma experiência com ratinhos que demonstra exatamente esse tipo de relação. Os ratinhos tem que bater a pata num pedal pra ganhar comida. Em um cenário, eles ganham comida toda vez que batem. No outro eles nunca ganham comida e eventualmente parar de bater a pata. No terceiro cenário, eles ganham comida só as vezes. E é nesse cenário que eles mais batem a pata! A ansiedade de saber se vão ganhar comida ou não daquela vez e a insegurança de garantir a comida faz eles baterem a pata incessantemente. E é exatamente isso o que acontece nas relações abusivas. O abusador não é um cara que não tem nada a oferecer. Ele é sedutor, ele elogia, ele diz que ama, ele dá presentes, ele pede desculpas. Então, batemos a pata pra saber se hoje é o dia do elogio. Pavoroso, não? A única forma de sair de uma relação dessa é saindo, e rápido, sem olhar pra trás. Mas para isso a vítima precisa reunir uma GRANDE quantidade de amor próprio que lhe foi retirado ao longo de anos de abuso e só com muita ajuda de amigos, familiares e psicólogos (ou uma arma embaixo do travesseiro!) é que ela conseguirá se fortalecer.

Além dessa mensagem importantíssima de resgate do amor próprio e do perigo das relações abusivas, a outra mensagem importante que fica dessa série é a sororidade. A união entre as mulheres, deixando as tretas e pré-julgamentos de lado em prol de um objetivo maior – no caso aqui se livrar do abusador. O mundo já é muito difícil pras mulheres e fica muito mais difícil quando elas próprias se atacam ao invés de se ajudar. Vamos lá meninas, mais amor e menos treta entre nós! <3

Sororidade, o melhor desfecho possível.

Ah, Ana! Mas não tem nada, nadinha de errado nesse roteiro? Tem sim. Sabe a forçada de barra que o roteiro dá tentando nos confundir sobre o assassino? Ele força tanto que dá pistas de fato erradas. Como logo na primeira cena, em que um dos entrevistados diz “Se ela não tivesse tropeçado, ninguém teria morrido”, se referindo à torção que a Madeline dá no pé e a Jane pára o carro para ajudá-la, ficando assim amigas. Mas só pelo fato delas terem ficado amigas ali significa que ocorreria a morte no futuro? Se elas não tivessem ficado amigas, ou se tivessem ficado amigas em outra ocasião, não teria ocorrido a morte? Na verdade teria ocorrido mesmo assim, porque foi a Bonnie que deu o empurrão final naquela peste. Então é uma boa forçada de barra dizer que se não tivesse havido tropeção o assassinato não teria ocorrido. Tem uma ou outra coisinha desse tipo no roteiro, mas nada que atrapalhe a qualidade da série.

Eu poderia ficar dias escrevendo sobre cada cena dessa série, que me fez querer revê-la imediatamente após acabar o último episódio. Quantas séries conseguem fazer isso com a gente? Mas vou parando por aqui porque já me alonguei demais! E o botão do play já está aqui me esperando pra maratonar novamente essa maravilha.

E vocês o que acharam de Big Little Lies? Conta pra gente!

 

 

Post Author: Ana Campos

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