Vinha eu outro dia descendo uma rua da Tijuca, distraída, quando me deparei com a frase “Qual é sua burca?” grafitada num poste. Achei curiosa, mas segui meu rumo sem dar muita importância a ela. Mal sabia eu que aquela informação tinha sido muito bem guardada por algum neurônio encrenqueiro e problematizador que, depois de algumas semanas, cansou da indiferença dos demais e resolveu cuspir de volta aquela história exigindo uma reflexão, inconformado que estava.
E agora cá estou (estamos) pensando nela. Muitas de nós, mulheres ocidentais, consideramos a burca um símbolo da opressão e dominação masculina, traduzido em vestimentas obrigatórias e desconfortáveis. “Pobres dessas mulheres”, pensamos, “condenadas a passar seus dias presas àquelas peças incômodas, que tem como único objetivo aprisionar e evidenciar sua subserviência em uma sociedade machista como aquela”. Já nós, independentes e senhoras de nossa vontade, fazemos com nossos corpos o que bem entendemos, livres e emancipadas que somos…
Será?
Me veio à mente um dos itens citados no grafite: o sutiã de bojo. Euzinha, toda trabalhada no discurso de que cada um tem que se vestir como bem entender e ninguém tem nada com isso, não me lembro de ter usado outro tipo de sutiã na vida. Tentei me convencer de que fiz essa escolha porque realmente me sinto mais bonita com ele, mas não colou. A verdade é que não suportaria estar fora do padrão de corpo estabelecido como o correto, o proporcional, o atraente.
Tentei aliviar minha barra alegando que uso tênis e roupas confortáveis pra trabalhar, me recuso a virar escrava de maquiagem e a andar de unhas pintadas, por exemplo. Mas acabei tendo que aceitar que sim, eu também tenho minha burca. Sem perceber, comprei o discurso machista de que uma mulher precisa ser bonita (dentro do conceito de beleza instituído pelos homens) para ser poderosa.
Não me restou muito a não ser rir da minha pretensa imagem de mulher livre e bem resolvida. Me levar à sério nunca foi meu forte e nessas horas agradeço por isso: nada como se questionar de vez em quando, jogar fora umas ideias que caíram no ridículo e abrir espaço pra novas posições. Se você quer saber, já deixei o sutiã na gaveta algumas vezes e foi muito bom; quem sabe não acabo aposentando de vez.
E aí, já abriu seu guarda-roupa e se fez essa pergunta? Conta pra gente! Qual é sua burca?
2 thoughts on “Qual é sua burca?”-
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Carla
(9 de março de 2018 - 00:00)Interessante e muito bem escrito. Acho interessante fazer essa comparação entre o que é diretamente imposto (a burca) e o que é “imposto” pela sociedade (o desconfortavel sutiã de bojo). A única diferença é que pro segundo há uma opção, difícil sim, que exige ai todo um trabalho psicológico, mas existe. Mas essa é mesmo a única diferença, porque de resto é uma imposição, uma prisão. E isso não se aplica só a moda. Quantas mulheres são escrevas da beleza ao ponto de entrarem na faca, tomar remédios perigosos e fazerem tratamentos fortes como a escova [coloque aqui o nome da escova da moda] com produtos químicos fortes. A que ponto elas fazem isso realmente porque querem ou porque a sociedade exige. Gostei, me fez pensar. Muito bom.
Layllis
(10 de março de 2018 - 22:44)Siiim, a pressão é real, né? Valeu pelo elogio e que bom saber que também te fez pensar <3