A moda é um universo que está sempre em transformação, seja adotando ideias novas, revendo conceitos atrasados ou reinventando visões do passado. Uma das últimas correntes abraçadas por ela já está presente em todas as escalas de consumo atualmente: a moda agênero. Ela já faz parte das coleções de grandes marcas como Cantão, Osklen e Melissa, já está presente nas araras fast-fashions ao redor do mundo e também aparece no mercado independente, na forma de diversas pequenas marcas e designers. O fato é que o conceito deste estilo já está bem conhecido e difundido.
Mas caso ainda assim você esteja em dúvida do que é exatamente a moda agênero nós esclarecemos para você: a moda agênero (ou sem gênero) seria, em sua teoria, uma moda feita para homens e mulheres indistintamente, ou seja, as peças de uma coleção agênero seriam neutras e caberiam em corpos e guarda-roupas tanto de homens quanto de mulheres (levando em conta os dois gêneros priorizados na cultura de massa). Dentro desta visão, vemos no mercado de hoje roupas com cortes retos, mais soltas, largas, com cortes geométricos e até, pode se dizer, com a predominância de cores neutras ou em tons pastéis.
Mas a verdade é que o questionamento dos gêneros estabelecidos socialmente dentro do universo da moda não é nenhuma novidade. Só pra falarmos da moda moderna, a partir da década de 20 já começamos a ver o intercâmbio dos guarda-roupas masculino e feminino com a forte influência de Coco Chanel e de atrizes de Hollywood como Marlene Dietrich. Usando ternos e seus acessórios, antes exclusivamente feitos para homens, elas fizeram com que as peças passassem a aparecer também no armário das mulheres. A partir daí é quase impossível rastrear a entrada de todas as peças que eram exclusivamente masculinas e passaram e ser usadas também por mulheres: paletó, blazer, colete, sapato oxford, roupas militares, calça boyfriend, camisa oversized e por aí vai…
Isso tornou o guarda-roupa feminino praticamente sem limites. Ou seja, as mulheres a partir de então foram “permitidas” a usar quase qualquer tipo de roupa, desde as mais delicadas e “femininas”, como a norma de antes, como também as “masculinizadas”. Mas claro que numa sociedade machista, que impõe ao homem a imagem de “provedor”, “macho alfa”, “forte e viril”, “sem frescuras” e “sem vaidades”, para ele este caminho foi (na verdade ainda está sendo) um pouco mais tortuoso.
Apenas com a explosão da metrossexualidade no final da década de 1990 e o conclamado nascimento de um “novo homem” as portas do guarda-roupa masculino começaram a se abrir. Mas se pararmos pra pensar que de lá pra cá já fazem mais de 20 anos, as conquistas para o homem médio são ainda muito pequenas. Nem mesmo peças básicas como o jeans skinny ou jóias quando usadas pelo homem médio são vistas com naturalidade por parte das pessoas.
Claro, que como nós mesmos mostramos aqui a moda masculina vem evoluindo constantemente e para uma parte do público, com mais conhecimento da área e que se permite tomar as dianteiras deste mercado, as opções para se vestir são muito maiores. Do short curto a calça superskinny, passando por transparências, cropped tops e a predominância do rosa, a moda masculina também vem assimilando muitas coisas que eram exclusivas das mulheres.
O que nos leva a questão principal do post: se grande parte das roupas masculinas já é usada por mulheres e agora muitas das coisas antes só usadas por elas também já são vestidas por eles, qual a verdadeira moda agênero?
A verdade é que para a moda ser agênero ela não precisa INCLUIR muitas coisas. Ela só precisa parar de EXCLUIR. Claro que muitas vezes os designers fazem peças pensando ou num corpo feminino ou no masculino, e tudo bem. Mas se a partir daí as opções simplesmente se ampliarem, produzindo em mais números diferentes, com uma comunicação que trate o cliente de uma maneira neutra sem “queridinhas”ou “brothers” ninguém tem nada a perder.
Afinal, fazer roupas largas ou retas não as torna automaticamente sem gênero. Na verdade meio que as deixa “em cima do muro”. Porque claro que um homem vai poder usá-las, afinal, para eles a moda padrão já é assim faz tempo. E sim, as mulheres também poderão vestir, já que elas incluíram este tipo de roupa em sua rotina algumas várias décadas atrás. Então que tal ampliar? Ampliar os modelos com peças justíssimas e/ou transparentes? Ampliar as cartelas de cores com saltos verde musgo e coturnos rosa choque? Ampliar os tamanhos do XXPP ao XXGG? Ampliar a visão de público e tratar todo mundo igual?
A verdade é que quem está antenado com a moda já usa o que está afim de qualquer forma, sem se importar se na etiqueta está escrito “homem” ou “mulher”. Logo, a tentativa de produzir uma vertente na moda sem gênero é mais voltada para o grande público, baseada no boom da discussão sobre gêneros que se vem tendo. Só que se as peças disponíveis nestas coleções apenas reforçarem as ideias de gênero que este público já tem em mente elas não servirão de muita coisa. É mais fácil produzir da forma que se produz hoje e apenas mudar a forma de entregar isto ao cliente, sem fazer nenhuma distinção. Assim vamos ter uma moda agênero, plural e democrática.