A estreia de Chapolin e Chaves no Multishow, além de fazer a alegria dos fãs (como eu), trouxe uma polêmica: depois de alterar uma piada originalmente gravada que tinha cunho homofóbico, mudando a dublagem e deixando-a menos preconceituosa, o canal recebeu críticas. Supostamente, estaria acabando com a liberdade artística e desrespeitando o autor.
No episódio que causou a discussão, um personagem afirma que teria sido melhor chamar o Batman do que o Chapolin Colorado. Na dublagem original, Chapolin responde que isso não seria possível porque o Batman estava em lua-de-mel com o Robin. Na fala alterada, ele diz que Batman não pôde aparecer porque o pneu do Batmóvel havia furado.
É bom lembrar que muitas piadas já foram alteradas há muito tempo atrás, adaptando nomes e histórias mexicanas para o universo brasileiro. Na clássica cena do cinema, enquanto na dublagem brasileira Chaves diz que era melhor ter ido ver o Pelé, na original ele fala do filme El chanfle, protagonizado pelo próprio ator.
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Então por que não aproveitar e melhorar diálogos que nitidamente não se encaixam mais no momento em que estamos vivendo? Achei que o Multishow mandou muito bem nessa iniciativa (ainda que a piada nova não tenha sido lá essas coisas).
Muitas vezes não parece, mas aos poucos a sociedade está evoluindo e muitos costumes preconceituosos que antes passavam batidos não têm mais vez. Rever séries e programas de humor antigos torna bem nítida essa mudança. No seriado Friends, que entrou no ar em 1994, dá pra perceber a homofobia quando Ross fala de sua ex-esposa e a nova namorada dela. Em um dos episódios, ele elogia o aperto de mão da moça, dizendo ser firme – uma alusão ao estereótipo da mulher que, por ser lésbica, precisa ter características masculinas. A série também chama atenção pela falta de negros no elenco (ainda mais numa cidade com tanta diversidade como Nova York), ou a forma como Joey constantemente objetifica as mulheres.
Voltando mais décadas no tempo, a coisa vai ficando mais esquisita. Impossível assistir Os Trapalhões, reprisado no canal Viva, sem ficar boquiaberto com o festival de absurdos que rolava na TV. Mussum era chamado de crioulo por Didi, e devolvia dizendo que Didi era “cabeça chata”, por ser nordestino. Dedé apanhou dos demais trapalhões por supostamente confessar sua homossexualidade, entre outros disparates.
Infelizmente, ainda existem programas preconceituosos (mesmo que seja um preconceito camuflado) sendo produzidos atualmente, que vão contra todo o discurso de inclusão e empoderamento que ganha cada vez mais força. A comédia Vai que cola é um exemplo: personagens caricatos encarnam estereótipos como o gay escandaloso, a loira gostosa e burra, o suburbano malandro, e até um branco fazendo papel da negra sensual.
Ninguém precisa deixar de ver um programa porque ele tem conteúdo ofensivo, pelo contrário: é bom assistir e identificar, apontar, discutir, reconhecer como a comédia também é o retrato dos costumes de sua época. Só assim o humor vai continuar evoluindo até descobrirmos que é possível fazer graça sem ofender ninguém!