Hora de falar sobre uma outra emoção desagradável, gente. E assim como o difícil na Tristeza é aceitar que ela é normal em nós, e abraçá-la de vez em quando, tem horas que a melhor saída de uma discussão é tentar aceitar a Raiva no outro. E isso é difícil por vários motivos.
Vamos começar tentando entender a Raiva como emoção antes de jogar um sujeito nela. Sentir Raiva inclui sensações de pressão, tensão e calor, rubor do rosto, tudo muito bem representado no filme Divertida Mente. No filme vemos a Raiva como um personagem que já é vermelho naturalmente e literalmente explode e solta fogo. É uma panela de pressão ambulante.
E assim como na Tristeza, a Raiva pode aparecer mais frequentemente por uma questão de traço de personalidade (pessoas que estão sempre mais propensas a serem agressivas) ou por acontecimentos que nos fazem perder momentaneamente o controle e agir de maneira diferente da que estamos habituados. Isso se chama gatilho, e cada pessoa possui o seu. Normalmente mais de um. É aquela coisa que sempre que acontece tira a gente do sério. Já lembrou de algum exemplo seu agora? Gente insistente? Injustiça? Ter que repetir algo que já disse? Pessoas espaçosas? A motivação pode ser pequena e só sua, não importa. É legal identificar os nossos gatilhos da Raiva para podermos falar sobre como lidar com a Raiva dos outros. Sem se identificar com o fenômeno, sempre vamos tender a reagir mal à Raiva alheia. Ninguém gosta de grosseria.
Agora que percebemos que nós estamos todos unidos pelos nossos limites de tolerância, mesmo com as variações inevitáveis de um indivíduo para o outro, já podemos pensar na função dessa emoção que parece só trazer problemas. Essa Raiva que você sente de vez em quando PODE não ser só um obstáculo chato. Na verdade, a função da Raiva é justamente livramento de obstáculos. A emoção em si é gerada quando algo nos frustra, basicamente, em menor ou maior grau. Isso é tão universal e tão básico que até bebês demonstram raiva quando contrariados. Então expressar raiva funciona para que mostremos aos outros que estamos frustrados naquele momento com algo, e normalmente O QUANTO estamos frustrados também (considerando que a gente não esteja interiorizando essa Raiva para esconder sua existência das pessoas em volta ou demonstrar uma intensidade menor do que a verdadeira). Isso ajuda a nos livrarmos do obstáculo porque, se o gatilho for o comportamento de alguém próximo, essa pessoa percebe o sinal e passa a levar isso em consideração para seus próximos comportamentos. Só torça pra que despertar raiva em você não seja a intenção dela, né. Mas isso é exceção.
A Raiva também serve como força motriz de grandes mudanças. É normalmente uma grande frustração que nos força a sair de onde estamos e lutarmos por uma situação que nos atenda melhor. No filme vemos Rilley tomar a decisão de fugir de casa levada pelo impulso da Raiva. Mesmo tendo sido um comportamento provavelmente inadequado para alguém da idade dela, foi fundamental para fazê-la entrar em contato com a solidão e despertar o Medo, que a fez voltar pra casa mais propensa a conversar com seus pais, e com a Tristeza, que a permitiu entrar em contato com seus sentimentos e se abrir.
Essa força da Raiva para operar mudanças também serve num plano coletivo, como as grandes mudanças sociais advindas de movimentos revolucionários por exemplo. A própria frustração eterna dos homens com a morte ajuda a medicina a evoluir perpetuamente.
Então se sabemos que a Raiva é importante, porque temos tanto problema com ela? Porque o que ela quer é eliminar o obstáculo. E nem sempre podemos contar que o obstáculo, se for uma pessoa, mude de comportamento só porque viu que estamos frustrados por causa dele. A Raiva é de fato a emoção mais perigosa e as diferentes raivas vão fazer toda a diferença no quão perigosa ela é, podendo ter vários tipos como o Mau Humor, que é uma Raiva passiva, e a Vingança, que é um comportamento de raiva pensado, refletido, e que não raramente se expressa em intensidade maior do que a do que gerou a Raiva inicialmente. Vale lembrar que as emoções podem ser mistas muitas vezes, e no caso da Raiva podemos por exemplo vivenciá-la em forma de Repugnância quando odiamos alguém. A Raiva também pode variar em intensidade, de um aborrecimento leve até a fúria. E quanto mais intensa, mas provável de se manifestar como distúrbio. Na Tristeza, o distúrbio é a Depressão. Na Raiva, a Violência, que pode ser física ou não.
Esse é um dos motivos pelo qual seria interessante lidar melhor com a Raiva inicial. Porque normalmente, ela não se manifesta inicialmente já nas intensidades mais perigosas. E o maior dificultador nesse processo é que Raiva gera Raiva. O que começa como um simples aborrecimento, por falta de compreensão, ou por insistência, ou orgulho da pessoa que foi alvo dela, é retribuída com outra Raiva. E a pessoa que expressou primeiro a emoção, por já estar dando sinal de frustração, obviamente vai reagir pior ainda recebendo Raiva dos outros neste momento. É uma bola de neve que não tem como acabar bem. No filme, por falta de compreensão do pai da menina em relação à frustração pela qual ela estava passando, vemos um “ping pong” de ofensas alimentados pela Raiva pessoal e pela alheia, resultando em castigo para Rilley e reprovação do comportamento do pai pela mãe, que assistiu a discussão e sabia que sua filha precisava de compreensão. Perfeito exemplo da Raiva se alimentando de si mesma.
E podem reparar: quanto mais gostamos de alguém, maior a intensidade com que explodimos com ela. Bem contraditório ser mais agressivo com quem mais somos próximos, mas talvez seja porque nos importamos demais com essas pessoas para deixar pra lá certas coisas, ou esperamos muito mais delas do que de estranhos, ou também porque temos mais liberdade para nos expressar lidando com quem temos mais intimidade. Tudo isso facilita brigas mais pesadas em família, relacionamentos amorosos e amizades muito fortes.
Mas se agora já temos uma ideia do QUANDO lidar com essa emoção – que é antes que ela vire um monstro – precisamos saber COMO lidar. E é difícil, mas pode evitar situações bem mais complicadas.
Voltemos para os gatilhos da Raiva. Se eles são justamente as coisas que nos geram essa emoção, então há um padrão no despertar da Raiva, e conhecendo esse padrão particular em alguém, ou seja, seu gatilho, podemos evitar despertar nela essa emoção. Mas e se não sabemos ou se já despertamos a emoção em alguém?
Bom, essa é a parte difícil. Quando sentimos Raiva, podemos ter um momento em que ficamos em estado refratário. É o estado em que nos encontramos momentaneamente rígidos em nossa Raiva, independente dos argumentos que ouvimos ou informações que recebemos. Nosso pensamento simplesmente não incorpora nada que contrarie nossa emoção. Isso é porque, durante esse estado, nossa atenção está concentrada no problema, portanto tudo que nos importará na hora serão as informações que justifiquem o que estamos sentindo. Esse estado pode durar alguns segundos ou muitos minutos, durante os quais pode ser impossível racionalizar. Perguntas como “porque você está com raiva de mim” num momento desses tende inclusive a piorar a situação e alimentar a Raiva do outro. Soa como um desafio.
O ideal seria reconhecer que seu comportamento, certo ou errado, pode ter gerado raiva na pessoa. Não é necessário nem funcional discutir sobre quem está certo quando o outro está cego de raiva. Pedir desculpas pelo comportamento mesmo sabendo que não foi intencional, também ajuda. É um balde de água, e raiva é fogo. Você precisa que a pessoa volte ao estado normal antes de prosseguir com qualquer argumentação. E se dispôr a ajudar também pode funcionar. Depois de recuperar o equilíbrio, fica mais fácil voltar para a questão que gerou a Raiva e tentar seguir sem expressões descontroladas de uma emoção que sempre quer crescer.
Ninguém vai discutir meditando, né, um pouquinho de Raiva em certas horas é mais do que aceitável. Se não for alimentada pode ser saudável, breve, pontual, e até útil para sair do conforto, quando necessário.